o tempo escorre-se, meu amor.

Querido

As minhas insónias voltaram. Não sei se é deste calor insuportável, ou de qualquer outra coisa que me tem ocupado a cabeça.
Esta noite tive um pesadelo, uma mulher tinha um bébé. Eu nao era a mulher, nem o bébé, era os dois.
A mãe amava o seu bébé, mas todos lhe diziam ser um monstro. O bébé iria transformar-se, atraiçoa-la, e matar toda a gente. A mãe nao queria acreditar no que lhe diziam, parecia-lhe absurdo. No entanto, com o passar do tempo, a mãe começou a ver o filho como um monstro terrivel, em relâmpagos de loucura (ou lucidez). Assustava-se, mas isso em nada diminuia o amor pelo bébé.
De todo o lado chegavam incentivos á morte da criança. "Antes que seja tarde demais" diziam.
Mas a mãe nao consetia.
Que achas tu, meu querido, de tudo isto? Achas que ela devia ter morto o filho? Pela felicidade geral? ou mantê-lo vivo, pela sua própria felicidade?
No sonho eu era a mãe e o filho, e nenhum dos dois, ao mesmo tempo. Penso que era ainda alguma das vozes que exigia morte. Era todas as personagens, talvez por isso tenha sido tao dificil a decisão.
Não sei o que aconteceu no final, nao sei se tão pouco interessa. O que me inquieta é a origem dests pensamentos.
A indecisão nunca foi o meu forte, mas quando me apanha é terrivel, desarma-me e fico petrificada, asfixiada.
Talvez seja do que ando a ler. Reflexões sobre a importancia da consciencia do eu interior, a vida e a morte. Não é um bom livro para eu ler neste momento, mas é em si um bom livro.
Por falar em livros, hoje fui a uma livraria matar tempo. Estava a tocar uma música que eu ouvia há muito tempo atráz, e entre os livros e o silêncio maternal das livrarias, senti-me feliz, como de o pudesse ser sem saber tudo o que sei agora, como se não houvesse mais nada para além das palavras atráz das capas.
Sempre gostei de livrarias e bibliotecas. Sei que podia ser feliz a viver nelas, a viver todas as vidas dentro dos livros, a devora-las, a deixar que elas devorassem a minha alma. Pelo menos era o que pensava antes de te conhecer. Agora, tudo o que vejo, vejo-o em ti. Dou por mim a folhear um qualquer livro á espera que ele me diga algo de ti. Dou por mim a tentar mostrar-te tudo o que me preenche os pensamentos. E dou por ti cada vez mais longe.
A asfixia de nao saber onde levar os meus passos daqui para a frente, é ainda maior por saber que nao os levarei até ti.
Não sei escrever por estruturas. Sei, mas nao quero.
Não é assim que me sinto, e nao vale a pena escrever, se nao for para despejar a nossa realidade. Egocentrismo amarelado, talvez.
A minha irma disse-me um dia, que ninguém escreve apenas para si mesmo, eu disse-lhe que isso era mentira, que há escritos tao secretos como pensamentos clandestinos, ela porém respondeu, que se sao apenas pensamentos, devem ficar voláteis na mente, e nao no papel.
Continuo a nao acreditar nela, mas sei agora que tudo o que escrevo é para ti, meu querido.
Para que mesmo que um dia te esqueça, te volte a encontrar nas minhas próprias palavras.

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